Vejo uma galera por aí reclamando sobre queda de audiência, fim de engajamento... Um sentimento aparente de que o apocalipse está por vir (e ele até pode estar a caminho, mas não por isso). O tipo reclamação que independe de plataforma, basicamente.
Me peguei, pra variar, refletindo de monte a respeito. Não num aspecto técnico em relação às métricas ou de ordenações algorítmicas das big techs.
Houve até uma prévia numa conversa com os também newsletteiros amigos
, e .Basicamente, a reflexão é a seguinte: se a vida é cíclica e tem seus pontos finais, por que seria diferente com as redes sociais/seguidores/público?
É muita pretensão de nossa parte querer que pessoas sejam fiéis ad eternum às nossas produções, mensagens, compartilhamentos, a nós como um todo.
O ser humano enjoa fácil, vamos admitir.
Mas, no universo digital de espera por recompensas, reconhecimento, validações, esse abandono pode ser cruel a quem aguarda ansiosamente por esses retornos.
“Isso nos faz pensar que os próprios adolescentes já estão percebendo que as redes sociais criam uma falsa necessidade de que temos que continuar postando para nos sentirmos aceitos, pertencentes, gerando assim uma espiral quase compulsória de postar-checar-postar-checar, roubando tempo e experiências ricas da vida concreta, real”, observou neste artigo-reportagem Cristiano Nabuco, psicólogo e coordenador do grupo de Dependências Tecnológicas do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP).
Ao analisar essa complexidade, um verdadeiro teste de fogo à nossa saúde mental, é bastante prudente incorporar lições do estoicismo.
Escritores, artistas e tantos outros profissionais… Ou melhor, nós, serumaninhos em geral, entendamos: a partir do momento que algo nosso é lançado ao mundo, pouco (ou quase nada) nos cabe.
O que será feito daquilo? Topamos com uma ciência de rara precisão.
Haverá quem ficará apaixonado e não se manifestará.
Haverá críticos em silêncio, vociferando que aquela entrega é horrível.
Haverá quem tenha coragem de abrir o coração: pelo bem ou pelo mal, pelo elogio ou pela crítica transparente.
E haverá aqueles que, conscientemente ou não, vão decidir em certo momento: não quero mais consumir o que vem de tal pessoa.
O errado é pensarmos que sempre se trata de uma coisa pessoal – muito pelo contrário, inclusive.
Nesse sentido, é algo que deve ter muitos requintes de neurociência envelopados. Nas redes e na vida, o novo nos instiga, impossível dizer o contrário.
É claro que tio Mark e cia ilimitada sabem disso, caso contrário não moldariam feeds rolantes que nos fazem ficar minutos e horas a fio, quase em estado letárgico.
São sagazes ao nos enclausurar num arrasta pra cima interminável de vídeos curtos, de centenas de pessoas diferentes. Ou em textos curtos (tweets) – depois reclamamos que não temos tempo pra ler livros que queremos, mas passamos por 1000 pílulas textuais por hora se o Musk assim permitir.
Inegável: nosso cérebro exala prazer por essa rotatividade, independentemente de não ser um prazer saudável.
Então, bate aquele momento em que você fica com aquela pulga atrás da orelha e pensa: por que será que meu alcance diminuiu? “Nem um coraçãozinho nesse story tão bonito?”
O medo que paira de um ponto de vista meio “será que não gostam mais de mim?” é mais um entre tantos fantasmas delineados por mentes altamente perturbadoras, um tanto indefectíveis.
Mais uma vez: não é nada pessoal, talvez as pessoas que te acompanham só estejam um pouco enjoadas em busca de algo novo.
Afinal, isso é certo ou errado?
Nenhuma das alternativas, somente parte da nossa existência até que a ebulição global nos detenha, ou quem sabe a catástrofe solar mencionada pela incrível Aline Valek.
Empirismo também conta. Sou prova dessa queda de audiência citada no início, ou simplesmente uma mudança de rota de muitos que me acompanhavam pelas bandas online.
Me lembro quando minhas redes sofreram um baita de um boom depois de ter me emocionado ao vivo durante uma entrada no Bom Dia, São Paulo.
Milhares de pessoas passaram a admirar meu trabalho meio que da noite pro dia. Haters também vieram na bagagem – uma minoria, felizmente.
De novembro 2020 pra cá, uma quantidade bem menor de pessoas que “chegaram” a partir daquele acontecimento segue comentando, interagindo, dizendo que curte meus trabalhos.
O que isso significa? Um movimento natural.
Da mesma forma que novas pessoas surgiram, meses/anos depois, não pela mesma motivação. Por outra razão: um vídeo que eu tenha feito, uma nova reportagem, um texto, uma edição de newsletter, o que quer que seja.
Pasmem (ironia mode on): em algum momento, muitas delas também vão enjoar e querer algo novo.
E tá tudo bem.
Olhos atentos à nossa carência, já que somos seres completamente mutáveis. Muita calma e paz pra combater mais essa dose de ansiedade do mundo cão.
Aceite ou não: nossos interesses mudam.
Um dia amamos livros. No outro, somos devoradores de filmes e séries. No seguinte, aquele curso de crochê nos cativa. Uma semana depois queremos tocar violão ou correr uma maratona, vai saber...
Assim a banda toca, assim nosso caminho segue seu prumo.
Sabe a música do Revelação, que diz “todo mundo erra, todo mundo vai errar?”. A licença poética permite uma versão 2.0 com “todo mundo enjoa, todo mundo vai enjoar”.
Nossa família enjoa. Até aquele seu tio mais querido que comenta em todas as suas fotos, um dia vai encontrar uma página de vídeos engraçados que tomará mais tempo das atividades virtuais dele. Não significa que ele deixou te amar: basta enxergar uma transição de fases, um ajuste cíclico.
Nossos amigos enjoam da gente. Há um período em que qualquer convite pra sair é aceito de bate-pronto. Aí passa o tempo e é lucro se couber um lugar na agenda daquele irmão, daquela irmã de alma dentro dos próximos 365 dias.
Nossos parceiros amorosos podem se cansar. Dizem por aí que a paixão dura entre 24 e 36 meses. Nesse mundo viciado em novidade, um sentimento de longa data pode ser preterido por uma troca de olhares rápida e diferente num café, numa segunda-feira qualquer.
Baumann falava muito dessa liquidez.
E aqui não quero dizer que ela seja extremamente positiva. Ela apenas existe e pronto.
É inerente à vida, a nós, aos nossos dias, aos dias que ficaram pra trás, aos dias que virão.
“Vivemos em tempos líquidos. Nada foi feito para durar”, antecipava o sociólogo polonês.
Esse texto procura calejar minimamente pra que todos nós tentemos compreender melhor: o que soa como problema aos nossos olhos desatentos, ao contrário do que possamos pensar, nem sempre está de verdade em nós. São apenas fruto de comportamentos que vão além do nosso controle.
Em resumo: estejamos em paz.
E independentemente do que aconteça, lembrar que estamos apenas de passagem ajuda a filtrar melhor o que realmente importa por aqui.
“Estamos todos numa solidão e numa multidão ao mesmo tempo”. (Zygmunt Baumann, em seu livro “Cartas do Mundo Líquido Moderno”, publicado em 2011)
🤟 Quer tomar um tacacá diferente?
😍 Mini paleontólogo
😂 Pato puto, mané
🐆 Hipnotizante…
💜 Poesia numa hora dessas? + Sempre
por
“Mas dividir certos poemas é se expor o dobro. É como abrir a camisa e mostrar não os seios, mas o coração. E digo isso com uma ingenuidade que pretendo manter como leitora de poemas. Quando eu leio romances e contos estou trabalhando. Penso em estilo, estrutura, diálogos, ponto de vista. Quando leio poesia estou de folga. Eu só quero sentir e pronto.”
Um dos textos mais bonitos que encontrei nas minhas “vasculhagens substackianas”. Faz a gente ritmar, dançar junto. É gostoso demais ser conduzido pela poesia de quem sabe jogar esse jogo.
😵 Escrita independente e artistas que dominam suas narrativas
por
Se um movimento antidigital parece fazer os grandes se desconectarem mais, seriam os pequenos os novos grandes? Estaria o movimento de influência e informação online mudando de mãos. Viriam os especialistas se apropriar de linhas editoriais de saúde, direito, finanças e empreendedorismo que estavam na mão de gurus que – sem desmerecer seus papéis e suas conquistas honestas – nem sempre tinham as mesmas credenciais?
Tudo ainda é um grande ponto de interrogação. Mas existe um movimento de mão-dupla já em prática nas redes – saem os famosos, chegam os profissionais até então analógicos – e estar de olho nele pode mudar a maneira como nos comunicamos e consumimos comunicação.
A Ale traz essa excelente provocação. Esse mundão digital passa por transformações infinitas e ela ajuda a gente a refletir sobre algumas delas com frequência.
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“Estamos todos numa solidão e numa multidão ao mesmo tempo” -- impressionante como essa frase do Bauman resume nossos tempos internéticos. É a mais pura verdade.