
Quando somos crianças, ninguém te conta sobre os pormenores — leia-se: as tretas —da vida adulta.
Ou talvez até contem, mas a gente opta por lidar com nossas prioridades momentâneas muito mais divertidas.
O futebol na rua (talvez hoje cada vez mais raro, a não ser nas periferias e confins). A brincadeira de boneca. O erguer da pipa. O rabiscar na folha branca.
A gente até embravece. Mas embravece com a bola que fura, com a boneca que perde um braço, com a pipa que alguém danado corta com cerol, ou com a inabilidade de desenhar como aquele colega brilhante da mesma turma.
Ao avançar os anos, os problemas se modificam. Nossas crises de ansiedade mudam de espectro.
Num encavalado de semanas, você lida com a pneumonia de alguém próximo; a internação e a angústia causada por uma doença que não damos mais tanta atenção e ainda mata; o estresse de cada vez mais demandas profissionais pra alcançar pouco mais do que a régua do azul nos boletos; um carro que quebra.
São tantos percalços à mente, alma e coração. Alguns, numa análise mais racional e menos emocional, vão dizer que ainda são problemas com um certo privilégio. E, de fato, podem até ser, como quando seu time cai nos pênaltis numa noite de Libertadores com estádio lotado.
Mas nem sempre é possível retirar da nossa natureza humana o reclamar, o desabafar diante das ansiedades que grudam em nossas entranhas.
Não dá pra acabar com essas peças chatas da vida adulta como quem encerra um jogo de pega-varetas, naquele último ato em que todas as jogadas mais difíceis ficaram pra trás. A vida, aliás, se assemelha um tanto ao jogo de pega-varetas. Várias missões difíceis e um último ato de alívio. Ou seja, muitas batalhas, poucos respiros, a depender das condições privilegiadas de cada um.
E nesse contexto de fases em que temos muitos pratos em nosso malabares da vida, precisamos encontrar alternativas pra desopilar. Caso contrário, chegamos num estágio como cheguei dia desses, rs.
Um vazamento dentro de casa abriu justamente a "água parada" do meu interior. Foi o suficiente. O estopim. E eu sabia que o choro angustiado não era pelo vazamento em si, e sim por essa série de situações da vida adulta.
Só a gente sabe o quanto segura. E o quanto, em determinado momento, não dá mais pra resguardar uma barragem emocional prestes a estourar.
A escrita, de costume, me ajuda no processo de autoconhecimento. E, há tempos, venho a deixando escanteada. Afinal, mesmo que bem diferente tecnicamente, ela já ocupa boa parte dos meus dias, no jornalismo. E o cansaço bate.
Mas, hoje, às 5h, pensei e me deu vontade de falar sobre a vida adulta que poucos contam. É a realidade que o Instagram quase nada evidencia. Ou melhor, os seres instagramianos.
Quem começa o dia contando aos seguimores que um vazamento no apartamento anda te deixando lelé? Quem começa o dia se mostrando parado num trânsito de São Paulo com a embreagem travada?
Problemas não vendem bem.
O "tá pago" vende melhor; a meta cumprida de leituras vende melhor; a selfie no espelho (que você acabou de limpar só pra isso porque não estava limpo) vende melhor; a foto esteticamente tirada do restaurante vende melhor.
Os coqueiros, a areia e o mar vendem melhor.
Tudo que não corresponde à realidade da maioria vende muito melhor.
Hoje, te acalmo e me acalmo pra dizer que os B.Os da vida adulta, dos menores aos maiores, são chatos mesmo. Alguns deles, inclusive, bem mais do que apenas chatos. Nos deixam preocupados, ou até em prantos. Mas outros, convenhamos, são criações de nossas cabecinhas traiçoeiras, que agem mais ou menos como o tal furacão Milton, que prometeu, prometeu, prometeu e, apesar de fatal, poderia ter sido muito pior do que foi.
E nós, quantas vezes criamos os cenários mais horripilantes e, no fim das contas, vemos que na verdade não era tudo isso que imaginávamos? Miltinhos da vida que somos tantas vezes, hein…
Por aqui, orações, à minha maneira, costumam acalmar e reorganizar as vibrações. Uma tentativa de controle de respiração também.
E, claro, a busca por entender o que de fato acontece. Neste ano, decidi pausar a terapia, até pra tentar uma independência nas lições que aprendi ao longo de três anos. Acredito que esteja indo bem, apesar de obviamente sentir falta das trocas e aprendizados constantes.
Mas assim vamos seguindo, porque já dizia Gil que a fé não costuma faiá...
E o pega-varetas da vida adulta não pode parar.
saudades de aparecer por aqui
espero que esteja bem por aí! ❤️
Que maravilha ler uma edição nova!
Obrigada pelo abraço, Querido!
Até breve!
Saudades de ler seus textos, Esdras. A forma que você traduziu o "banal" para os instagramianos foi perfeita. São tantos pratinhos para equilibrar que, às vezes, me pergunto se essas pessoas realmente não tem problemas, rsrs. Obrigada por compartilhar. Abraços! Volte mais vezes :)