Atenção: nesta semana, inevitavelmente, a edição chega antes da sexta-feira, por motivos maiores. Na próxima semana, se nada mudar, nos encontramos de acordo com a programação normal.
No dia seguinte à apuração e ao anúncio de que Lula seria o próximo presidente do Brasil, entre celebrações e “lutos”, uma postagem me chamou a atenção.
Uma pessoa de classe média alta, casada com um ex-policial de alta patente, repleta de privilégios, dizendo algo como:
“Ainnnn, o amor venceu. Acorda, amor não enche barriga”
Sim, alguém de cima do pedestal de seus benefícios de vida, numa espécie de recriminação àqueles que acreditam não ser tão difícil ter votado entre o mínimo de civilidade em detrimento à barbárie.
Concordo que apenas amor não representará o fim da fome. Mas discordo de quem ironiza o significado e os contextos do que pode ser/é o amor em suas infinitas facetas. E, neste caso, a palavra evoca um sentimento de início do fim da linha ao obscurantismo.
Na condição de jornalista que recebeu alguns xingamentos e viu colegas serem achincalhados de maneiras muito piores, a proximidade do adeus ao que considero o pior governo de nossa história não poderia ser mais causadora de alívio. Aliás, Fábio Turci, grande jornalista da TV Globo, resumiu muito da minha sensação numa postagem:
Não foram unicamente os xingamentos e ofensas que doeram internamente. Tivemos de conviver com as dores irremediáveis de perder familiares, amigos, colegas…
Nunca vou me esquecer da última vez que vi meu amigo Jomar Belini, grande profissional, em encontro numa cobertura banal de dia a dia — sem saber que aquele era um “olho no olho” derradeiro. Nunca vou me esquecer da tarde em que, durante uma pauta, mal consegui terminá-la ao receber a notícia de sua passagem. Nunca vou me esquecer que, no dia de sua morte, o prefeito da cidade, muito alinhado ao “capitão”, autorizou a xepa a algumas categorias, incluindo a dos jornalistas.
Foram golpes e bordoadas a perder de vista durante quatro anos a fio. Me lembro da sensação ruim ao saber do resultado de 2018, mas confesso que não esperava uma catástrofe tão grande quanto foi.
A vitória de Lula vai muito além das desconfianças depositadas por muitos à sua figura. A vitória de Lula foi capaz de lotar uma Paulista de abraços, de rechear a noite do vendedor de churros da Cinelândia com uma felicidade diferente, ainda que por ora momentânea. A vitória é muito simbólica, por trazer à tona alguém que fala em tentar unir, e não metralhar aqueles que pensam diferente.
Jair Bolsonaro é tão “Deus, pátria e família”, mas dificilmente aplica seus ideais no âmago de cada um deles. Principalmente porque se pensarmos nos ensinamentos bíblicos, uma das grandes premissas é de que “devemos amar-nos uns aos outros”. Amar é muito diferente de armar. Amar até rima com matar, mas há uma distância profunda entre as duas etimologias.
“Amados, não vos escrevo mandamento novo, mas um mandamento antigo, que tendes desde o princípio. Este mandamento antigo é a palavra que ouvistes (…) Ameis uns aos outros (…) E um novo mandamento que vos escrevo, o qual é verdadeiro nele e em vós; porque as trevas vão passando, e já brilha a verdadeira luz”, ensinam alguns trechos do livro de João.
Espero, profundamente, que de janeiro de 2023 em diante tenhamos bem mais serenidade, pacifismo, compaixão… Seguirei na torcida por possíveis boas mudanças de vida à classe trabalhadora, à maior igualdade de condições aos menos favorecidos, entre outras coisas. E, claro, graças à democracia, todos teremos direitos de cobrar tudo aquilo que não concordarmos, a fim de zelar por nossos rumos.
Nas próximas edições, espero diluir bastante o tema política por aqui. Sei que é inerente às nossas “vidas vividas”, mas também entendo que não é algo agradável a todos.
Peço, porém, uma tentativa de compreensão de que havia muita “água empoçada” dentro de mim, me refestelando durante esse tempo que parecia infinito, então eu acabava escrevendo para tentar não afogar numa escuridão sem qualquer lanterna disponível.
O cenário político vinha me levando a um poço difícil de conseguir escapar. Ainda me leva, é verdade, ao perceber que a democracia não tem sido respeitada por uma fatia baderneira e contestadora — embora haja uma certa previsibilidade ao pensarmos que o “capitão do time” não teve a hombridade de reconhecer sua derrota. É bom para atestarmos: a uma parcela da sociedade, a democracia só vale em caso de vitória; em se tratando de derrota, a bola do jogo tende a ser tomada a força para tentar que ninguém mais jogue.
Mas, depois do último domingo, um começo de sentimento diferente passa a habitar minhas entranhas.
De 2023 vem em diante, a água não se tornará vinho automaticamente. Haverá muita dificuldade. As nuvens escuras ainda estarão vagando pelo céu. Mas tenho otimismo de que haverá mais amor para superar tempos que serão difíceis de outra forma.
E, se o amor, a alguns, não significar “encher barriga”, pelo menos será um alento gigante a tantos outros para correr atrás daquilo que pode libertar a fome, de alimentar sentimentos que preenchem estômagos vazios e sedentos por uma vida nova, diferente.
O amor, aliás, talvez tenha o grande responsável por nos manter respirando até aqui.
Na minha pátria tem um monte.
Na minha pátria tem um rio.
Vem comigo.
A noite sobe ao monte.
A fome desce ao rio.
Vem comigo.
E quem são os que sofrem?
Não sei, porém são meus.
Vem comigo.
Não sei, porém me chamam
e nem dizem: “Sofremos”
Vem comigo
E me dizem:
“Teu povo,
teu povo abandonado
entre o monte e o rio,
com dores e com fome,
não quer lutar sozinho,
te está esperando, amigo.”
Ó tu, a quem eu amo,
pequena, grão vermelho
de trigo,
a luta será dura,
a vida será dura,
mas tu virás comigo.
Pablo Neruda - O Monte e o Rio
Talvez você não imagine, mas produção da news é bem trabalhosa. Entre escrever, organizar, editar, fazer a curadoria de conteúdo e gravar a versão em áudio, tudo pode levar entre 4 e 6 horas de dedicação. Portanto, se você gosta e considera um projeto interessante, te peço uma ajuda especial: um apoio financeiro mensal à news. Se você puder contribuir com o financiamento coletivo, qualquer quantia é bem-vinda.
Se gosta do meu trabalho, você também pode fazer um apoio pontual e único ao projeto, no melhor valor, aquele que cabe no seu orçamento, por meio do pix para esdraspereiratv@gmail.com.
Se tiver algum negócio/empresa e quiser anunciar aqui na news, fechando um modelo de patrocínio, responde esse e-mail ou me chama nas redes sociais e a gente conversa sobre os detalhes. Já é?!
Hola, que tal?! - Ainda não tive a oportunidade de ver, mas já indico de olhos fechados por observar tanta gente boa de recomendação vir falando do filme. E, devo confessar, tendo Darín no elenco, é difícil dar errado, não é mesmo?! Confira o trailer de ‘Argentina, 1985’, disponível em Amazon Prime:
A foto é mais a título de ilustração. Já cheguei a indicar essa obra linda de Aline Bei. Mas, hoje, a recomendação vai ser para vários “gostos” de leitores. Saiu a lista dos finalistas do Jabuti 2022.
Confira todos os títulos que estão concorrendo
Entre os finalistas está justamente ‘Pequena Coreografia do Adeus’, de Aline Bei, na categoria Romance Literário.
O puro suco de sotaque britânico p* da vida com o Liverpool
Nordeste burro? Você está certa disso?
Por fim, oremos para que esteja certo, Gil:
Deus disse: Vou ajeitar a você um dom:
Vou pertencer você para uma árvore.
E pertenceu-me.
Escuto o perfume dos rios.
Sei que a voz das águas tem sotaque azul.
Sei botar cílio nos silêncios.
Para encontrar o azul eu uso pássaros.
Só não desejo cair em sensatez.
Não quero a boa razão das coisas.
Quero o feitiço das palavras. (Manoel de Barros)
Preencha o coração com boa música para encerrar 🎵🎙️
Com base nos critérios de recompensa do financiamento coletivo mensal, meu agradecimento especial a:
Mariana Maginador, Rafael Vieira, Camila Laister Linares, Bruno Rodrigues, Adelane Rodrigues, Fátima Castanho, Rogeria Portilho, Rubens Pereira, Lucas Pereira, Vitor Cavaller, Welliton Nascimento e Beatriz Souza.