#3 - Vida Vivida [escrever faz meu coração bater]
Meu caminho é construído por um aglomerado de palavras
Um bloco de notas me faz habitar a alma, transcender corpo, chegar mais pertinho do coração sem necessidade de um bisturi para tê-lo em mãos.
Tive dúvidas sobre o que escrever nesta terceira edição.
"Logo no início da news um bloqueio criativo?", uma voz interior quis dizer. Outra voz mais potente respondeu: "Nada disso".
Sinceramente, não acredito em bloqueios criativos se o assunto é escrita. Calma, não quero me passar por imbatível.
Não gosto de chamar dessa forma. Prefiro atribuir a outros fatores a dificuldade de costurar as palavras, seja num papel, bloco de notas, folha de Word vazia, onde quer que seja.
Creio em obstáculos para desenvolver determinado tema, por falta de bagagem, sentimento, repertório; também sei daquela preguiça que pode se achegar de repente, sorrateira; ou até eventuais fugas internas -- porque escrever, muitas vezes, pode doer profundamente, no âmago.
Mas, quando se decide que as costuras de palavras vão se tornar texto, é difícil ter o que tire o prumo. Não tem "deixa pra lá essa prosa", não tem "larga mão dessa história".
Agora mesmo, olho o relógio enquanto aglomero palavras, são 5h28 e quem disse que consigo dormir com a conexão cérebro-dedos pedindo passagem?
Escrever é como entrar em ebulição. A cabeça ferve. Nem todas as bolhinhas d'água se moldam da melhor forma a princípio. Depois, é como se tivéssemos a oportunidade de, uma a uma, olharmos apuradamente e deixarmos só as mais vistosas.
Em vista da praticidade dos celulares, devo dizer que, de uns anos para cá, escrevi de muitos jeitos, na vida de repórter/escritor/produtor de conteúdo.
Já estive juntando letrinhas de pé encostado em um muro qualquer; sentado em alguma escadaria ou banco de praça por aí; no banco traseiro de algum carro, enquanto a vida passava diante de meus olhos; em frente ao computador, ladeado por telefones barulhentos e teclados imparáveis; na cama, no escuro, feito agora. Isso para citar apenas alguns exemplos.
Considero escrever uma arte complexa. Haverá quem ame e também quem odeie. É um talento que demora a se aprimorar e que, dificilmente, nós, escribas, vamos nos achar gigantes (olha bem essa prova aqui). Nessa arte, assim como deve ser em tantas outras, digladiamos ferozmente contra os impostores fantásticos que nos atravessam.
Um dos contornos interessantes da escrita é que, antes de ela vir ao mundo (se o autor assim decidir), há um grande mergulho na própria solidão, observação e imaginação. É profundamente necessário saber mergulhar em ao menos um desses quesitos durante nossa construção.
Agora, por exemplo, tenho a solidão e a imaginação a meu favor, dentro de um quarto escuro cuja única luz é a tela do celular. A observação, por ora, seria apenas a partir da audição do que vem de fora e perpassa as paredes do quarto. Ora, outros sentidos apurados podem significar um “enxergar diferente”.
O barulho do trem que dá o tom do início das atividades do dia... Os ouvidos que também apuram o primeiro ligar de motor de uma moto, com direito a uma leve buzinar. Seria uma buzinadinha daquelas despedidas do tipo "ei, te amo, mais tarde eu volto"? Gosto de imaginar que sim.
O mundo ganharia mais se imaginássemos mais. Imaginar pode trazer êxtase, sabe?
Lembro que tinha meus 14/15 anos quando passei a gostar mesmo de escrever. E, inicialmente, era por causa disso: por ser um adolescente viajante através das linhas em branco nos cadernos.
Um professor de português chamado Robson costumava fazer "concursos" rápidos de redação na sala, com temas definidos ou até construindo o primeiro parágrafo do texto e pedindo que criássemos uma sequência.
Amava aquilo. Aliás, ainda que me considerando mais introvertido à época, era como um despertar de coragem: ler as minhas histórias à turma e arrancar risadas, suspiros, críticas, o que fosse. Naquele tempo, é evidente que eu nem tinha noção da força das palavras.
Mas um ex-namorado da minha mãe costumava lembrar de um desses textos que criei nas aulas do Robson. Nem consigo lembrar os detalhes. Sei que tinha algo a ver com uma águia forte, perspicaz. Ele sempre dizia frases do tipo: "Eu fiquei impactado com aquilo que você escreveu, era muito bom e forte para uma criança/adolescente".
Tenho visto muito escritor escrever sobre escrita. Evito, até certo ponto, mas hoje estou fugindo à regra sabe se lá por qual razão. Faz parte… Escritores também são um bocado transgressores, avessos às regras.
Apesar da curiosidade de entender os processos de cada um relacionados a essa arte, penso que pode ser perigoso entrar em um canal onde só se escreve sobre escrever. E aí fica maçante, feito um médico que apenas se lembra da mesma cirurgia; um engenheiro com recordações somente da mesma obra.
Vejo a escrita, justamente, como um escape à monotonia: histórias inesgotáveis existem e coexistem a partir dela.
Quando falo sobre o que as palavras representam à minha vida, sinto meus olhos brilharem mesmo no quarto escuro. Às vezes, nessa mesma vida, me sinto profundamente perdido, sem saber sobre os tais propósitos, tão cobrados hoje como um norte aos nossos caminhos — isso ficou claro neste episódio do podcast da querida Nina Magagna, com ótimas provocações.
Então, lembro que eternizei uma máquina de escrever na panturrilha direita. A tatuagem, acompanhada da frase "as palavras nunca voltam vazias", não foi por acaso. Talvez seja isso. Se a confusão acontecer, preciso me lembrar que a escrita é o meu lar eterno. É a casa que permite que eu me arrisque sabendo que o endereço pouco muda, e as portas se mantêm sempre abertas.
No sonho mais romântico, eu pediria que pudesse viver das minhas próprias palavras. Não dá para ter certeza se isso um dia vai acontecer. E se eu pelo menos tentasse? Ninguém disse que seria ou será fácil.
Dia desses, sonhei com vários pássaros me rodeando, na sala da casa dos meus avós. Li que, entre as mensagens, pode significar liberdade e libertação. E assim me sinto com essa arte que me atravessa: livre para poder, pouco a pouco, me encontrar.
Quem sabe os pássaros foram um sinal de lembrança da águia forte e perspicaz do passado, da criança sonhadora.
É hora de tentar um novo cochilo. Vai que nele, daqui algum tempo, o meu sonho romântico se torne realidade.
Hasta luego.
ZzzzzzzZzzzzzzzZzzzzz
Perdoar ou não perdoar? - 2022 tem sido, definitivamente, um ano em que passei a refletir mais sobre a força do perdão. Perdoar não é simples. Ser perdoado, menos ainda. Mas aceito que conviveremos com esses dilemas ao longo de toda nossa trajetória por aqui. A Revista Gama trouxe um material bem interessante sobre o tema. Perdoar, aliás, não significa seguir a vida como se nada duro tivesse acontecido. Mas pode ser como virar uma página ruim de um livro com tantas outras ótimas páginas. Vale a reflexão.
Um gênio da escrita - Já que falei da magia das palavras, é justo recomendar esse episódio do podcast Café Brasil sobre Rubem Alves. Educador, escritor, psicanalista, um homem camaleônico, ele deixou um legado incrível durante oito décadas. São 25 minutos de apreciação garantida ao professor. Tenho, inclusive, uma de suas obras como leitura de momento.
Oportunidade - Se falei de Rubem Alves, chegou a hora de falar de um craque da escrita contemporânea, o querido Lucão. Ele está com inscrições abertas para o curso ‘Versos e Memórias’, com três encontros singelos na segunda quinzena deste mês. Já fiz neste ano para exercitar minha veia poética e recomendo demais.
Ler mais é preciso - Ouço gente por aí falando que quer evoluir o hábito da leitura. Mais uma vez, estou com Rubem Alves, que dizia que ler não é hábito, é prazer. Esse mergulho pode ser delicioso, com obras incríveis à disposição. É o que acontece com a TAG, um clube de assinatura de livros em que você tem acesso a uma “obra surpresa” por mês, curada por alguma referência. Em julho, a TAG completa oito anos de história, e os livros do mês terão ninguém menos que Eduardo Kobra como responsável pelo projeto gráfico.
Até quando duraremos? - Uma pergunta apocalíptica e não à toa. As mudanças climáticas têm se escancarado cada vez mais. Os desastres, causados sobretudo por nosso comportamento danoso ao meio ambiente, também têm cobrado cada vez mais caro. A repórter Giovana Girardi vai mergulhar no assunto durante os episódios de ‘Tempo Quente’, lançado nesta semana pela Rádio Novelo. No primeiro EP, ela vai às profundezas do investimento brasileiro no carvão mineral. O Brasil tem sido exemplo do que não fazer em tempos de necessidades sustentáveis. A natureza grita.
Nesta seção, vou deixar indicações que, se você decidir adquirir pelo link daqui, pode ser que me ajude com um percentual de afiliado. Isso não quer dizer que a recomendação seja aleatória, só com intenção de receber por isso. Vou indicar apenas o que realmente curti, ou soube que vale a pena por meio de alguém que confio. Mas, ganhar um dindin não faz mal a ninguém, né?
Perto do coração selvagem
Uma leitura densa, muitas peculiaridades. Clarice tem um jeito muito próprio de escrever, de brincar com as palavras. No romance, as triangulações amorosas surpreendem, sobretudo ao pensar no contexto de década de 1940. E a provocação, bem no início, bate forte: “o que acontece depois que se é feliz?”
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Quando pronuncio a palavra futuro,
a primeira sílaba já pertence ao passado
Quando pronuncio a palavra silêncio,
destruo-o
Quando pronuncio a palavra nada,
crio algo que não cabe em nenhum ser
(Wislawa Szymborska - As três palavras mais estranhas)
dá o play! 🎵🎵🎵
Hoje, além de poesia, vamos sextar com música no tchauzinho da news….
Semana de Dia dos Namorados a quem é de namorar. A quem não é, siga el baile. O importante é amar e ter amor ou amores para viver e marcar a própria história.
OPÇÃO NACIONAL
OPÇÃO INTERNACIONAL
Obrigado por estar aqui comigo ❤️
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