texto originalmente escrito em 1º de junho, com adaptações nesta edição
tenho trazido alguns escritos antigos, publicados em outros lugares, para contemplar novos inscritos e também muitas pessoas que certamente não leram antes. também é uma forma de dar “respiros” à produção da news.
Há algum tempo, me descobri controlador. O que será que terei adiante?, me questiono, sob grande controvérsia, já que colei um papel sulfite na parede do meu quarto escrito "o amanhã é hoje".
Mas, quando me sinto assim, gosto de fazer uma tentativa de análise de porquês. E talvez venha conseguindo compreender o que está acontecendo. Nos últimos tempos, distante dos mais melancólicos feito este que te escreve, vejo muitos retratos de vidas felizes espalhadas pelas redes.
Às vezes, bate como um mergulho sem equipamentos, sem balão de oxigênio, que vai afogando pouco a pouco.
Vejo pessoas sendo promovidas em seus trabalhos maravilhosos.
Vejo demissões regadas a agradecimento e penso se não houve choro ao chegar em casa.
Vejo a constância de conteúdos pedida por todos os cantos e reflito sobre burnout.
Vejo o aumento na construção do repertório alheio quando às vezes eu só queria olhar para o teto, debaixo das cobertas, e curtir o verdadeiro significado de tédio/ócio.
Vejo quem tem uma vida viajando por todas as bandas espalhando um conhecimento que só a pessoa tem.
Vejo talentos notáveis que rendem crescimento, novas propostas, cifras consideráveis.
Vejo networking rolando solto e penso quanto disso é genuíno e quanto é puro suco de interesse.
O LinkedIn, por exemplo, carrega um milhão de cenários de aparente sucesso, de brilhos pessoais e profissionais reluzentes feito diamantes.
Veja, de todo meu coração, essa minha construção aqui não é definida por um sentimento como o da inveja. Até porque, acho justo a celebração de conquistas, a publicidade relacionada às glórias durante o processo. Faz parte da valorização da nossa trilha tão difícil de vida.
Só que quando a minha caminhada, e talvez a sua, estão em fase de incertezas, esses diamantes proporcionam comparações que martelam a cabeça como se fossemos enlouquecer a qualquer instante. Nos tornamos aquela conchinha destruída na praia, de tanto a maré levar e puxar de volta, levar e puxar de volta.
Às vezes, me sinto como um peixe frágil e estranho no meu aquário natural. Por outro lado, consigo reconhecer que vários peixes escondem suas derrocadas num aquário artificial.
Esse texto não é uma profunda crítica a quem só mostra seus pontos fortes, queria deixar claro novamente.
Isso é estratégia, faz parte do jogo das redes sociais, principalmente. Afinal, quem quer ser um influenciador da tristeza e depressão?
Esse jogo de palavras carrega apenas um desabafo à Violência da Positividade, conceituada por Byung-Chul Han e que vem sendo empregada cada vez mais.
Ela, em geral, “não está dotada da negatividade do obstáculo, da rejeição, da proibição, da exclusão ou da supressão”, e reverbera como “abundância e massificação, como excesso, exuberância e exaustão, como hiperprodução e hiperinformação.”
No mundo ideal, só queria que as pessoas fossem mais honestas com a própria vida. Admitindo suas dores, sofrimentos, fraquezas, vulnerabilidades, frustrações. Até porque creio sermos capazes de descobrir o significado real de felicidade por termos a dimensão certa de que a vida não é simples.
Há muitas marcas doloridas no meio do caminho.
Provavelmente sou um romantizador de possibilidades ao pensar que isso um dia possa acontecer com mais frequência. Isso porque já existem algumas pessoas ocupando esses trilhos, aceitando mais e não escondendo que algumas estações são mais dolorosas que outras.
Costumo expor de maneira bem clara muitas das minhas dilacerações que rasgam o peito. Não sei se é certo ou se é errado, sabe? Não sei se isso vai “chegar legal” a quem me acompanha. “Ai, que cara fraco, todos nós sofremos, vai chegar onde desse jeito?”, podem pensar alguns. E, de fato, todos nós sofremos.
Mas quantos de nós decidimos admitir sofrimentos? Quantos de nós compartilhamos feridas internas como se escrevêssemos nas nuvens para todos verem: “ei, eu sofro também, e por isso podemos ter mais compaixão um com o outro”?
Os rios da vida
Nossa vida se assemelha a um rio, ainda que poucos queiram transparecer momentos em que o remo cai na água, ou que furos compliquem o continuar da própria embarcação. Guimarães Rosa era cirúrgico ao falar dos rios:
“Amo os grandes rios, pois são profundos como a alma dos homens. Na superfície são muito vivazes e claros, mas nas profundezas são tranquilos e escuros como o sofrimento dos homens. Amo ainda mais uma coisa de nossos grandes rios: a eternidade. Sim, rio é uma palavra mágica para conjugar eternidade”
Neste ano, também desfrutei do livro de poesias do Thiago Dalleck. O texto “Peço um anjo que me acompanhe”, traz versos que me carregaram no colo:
“Não há nada mais lindo
que conhecer a cor
do choro de alguém
Não há”
Em meio à felicidade plena em alguns momentos, nosso mar será preenchido por lágrimas.
Até que ponto vale apenas compartilhar o recorte de uma vida aparentemente perfeita?
Tenho repetido comigo: ser frágil, na verdade, é ser forte.
Quando me sinto mal com as comparações injustas, me apego aos ensinamentos do livro de Kristin Neff, 'Autocompaixão: pare de se torturar e deixe a insegurança para trás', uma das minhas boas leituras deste ano.
“Nossos sucessos e fracassos vêm e vão, não nos definem nem determinam nossa dignidade. São apenas parte do processo de estar vivo”
E também entendo que só o amor próprio pode ajudar a vencer todas os infortúnios e tempestades.
"Vejo a vida passar num instante
Será tempo o bastante que tenho pra viver?
Não sei, não posso saber
Quem segura o dia de amanhã na mão?
Não há quem possa acrescentar um milímetro a cada estação
Então, será tudo em vão? Banal? Sem razão?
Seria, sim seria, se não fosse o amor
O amor cuida com carinho
Respira o outro, cria o elo
O vínculo de todas as cores
Dizem que o amor é amarelo" (Princípia - Emicida)
E devo dizer: o meu amor próprio não consegue me moldar num personagem. Continuarei sendo um peixe talvez estranho aos olhos dos outros, aquela conchinha que não é das mais bonitas e inquebráveis. Mas tudo isso carregando algo que prezo muito: a minha própria verdade.
Gostou do texto de hoje?
Talvez você não imagine, mas produção da news é bem trabalhosa. Entre escrever, organizar, editar, fazer a curadoria de conteúdo e gravar a versão em áudio, tudo pode levar entre 4 e 6 horas de dedicação. Portanto, se você gosta e considera um projeto interessante, te peço uma ajuda especial: um apoio financeiro mensal à news. Se você puder contribuir com o financiamento coletivo, qualquer quantia é bem-vinda.
Se gosta do meu trabalho, você também pode fazer um apoio pontual e único ao projeto, no melhor valor, aquele que cabe no seu orçamento, por meio do pix para esdraspereiratv@gmail.com.
Se tiver algum negócio/empresa e quiser anunciar aqui na news, fechando um modelo de patrocínio, responde esse e-mail ou me chama nas redes sociais e a gente conversa sobre os detalhes. Já é?!
Vem aí - Em 16 de novembro, teremos Racionais MC’s na Netflix, senhoras e senhores. Só o trailer oficial já deixa enorme a vontade de assistir.
A Ilha das Árvores Perdidas - Elif Shafak
Com certeza entre os meus preferidos deste ano. Literatura de ficção, mas com requintes de muita verdade ao narrar a geopolítica Chipre-Turquia-Grécia. Uma história arrebatadora que leva a um final singelo demais.
Um plus:


Dos criadores de “senhora”, é a vez de “Peter”, numa grande investigação do Fantástico
E jamais podemos esquecer de nossa história…
Eu disse a uma amiga:
— A vida sempre superexigiu de mim.
Ela disse:
— Mas lembre-se de que você também superexige da vida.
Sim. (Clarice Lispector)
Encerrando hoje com paz em áudio 🎵🎙️
Com base nos critérios de recompensa do financiamento coletivo mensal, meu agradecimento especial a:
Mariana Maginador, Rafael Vieira, Camila Laister Linares, Bruno Rodrigues, Adelane Rodrigues, Fátima Castanho, Rogeria Portilho, Rubens Pereira, Lucas Pereira, Vitor Cavaller, Welliton Nascimento e Beatriz Souza.