#4 - Vida Vivida [ser brasileiro de verdade é resistir ao caos]
São muitos dias de luta por aqui; poucos têm sido os de glória
“Eu sou da opinião de que o Brasil não se divide entre direita e esquerda, mas entre pessoas com humanidade e sem humanidade” (Lilia Scharcwz - antrópologa, historiadora, professora da USP)
A frase escrita por Lilia em um de seus posts recentes no Instagram reflete totalmente a essência do que acredito enquanto brasileiro nos últimos tempos.
Essa newsletter, na primeira página de convite à inscrição, provoca perguntando o que acontece ao redor dos nossos caminhos. E na descrição “sobre”, te convido a mergulhar na minha visão peculiar do cotidiano por meio da escrita.
Mas, na edição de hoje, minha visão não é peculiar. Ou pelo menos não deveria/poderia ser. É a de quem sente, se dilacera com o cotidiano verde-amarelo.
Na última segunda, a Embaixada Brasileira no Reino Unido confirmou à família de Dom Phillips, jornalista inglês baseado há mais de 10 anos no Brasil, que dois corpos haviam sido encontrados amarrados em árvores na região do Vale do Javari.
Phillips estava desaparecido, junto de Bruno Pereira, indigenista e servidor licenciado da Funai, desde 5 de junho. Os dois percorriam o território amazônico como parte da produção de um livro-reportagem do britânico, até então em andamento.
Essa história, que me devasta, você minimamente deve estar acompanhando.
O pior: depois do comunicado da Embaixada, a Polícia Federal negou o encontro desses corpos. A Embaixada chegou a pedir desculpas à família. Tudo muito estranho depois do fornecimento de um detalhe, por exemplo, como aquele dizendo que “estavam amarrados em árvores”.
Depois, houve a confissão do homicídio dos dois por parte de um suspeito, com requintes sórdidos, demasiada crueldade.
Tem me doído muito ser brasileiro, sem exageros. E é daquelas piores dores, do engolir seco, da ânsia, da sensação irremediável de tristeza por tantos acontecimentos atrozes. A dor por uma série de tragédias anunciadas. Uma dor que não se combate facilmente.
Quantas atrocidades nos confrontam desde a eleição? Perdemos as contas. Ao passo que o presidente nunca perderá as contas a respeito do que já fez de bom à nação, pois sua calculadora governamental virá acompanhada de zero projetos. É verdade: nem tudo deve recair diretamente ao colo do senhor que ocupa o maior cargo deste País, e que não merece sequer citação nominal — porém, responsabilidade indireta também é hiperdanosa.
Mas, apesar do poço profundo, há algumas lições importantes neste apocalipse brasileiro: conhecer melhor as pessoas e entender mais profundamente sobre dor e sofrimento.
Para resumir um pouco do que penso, recorro a esse tweet do Lucão:
Nem sempre encontraremos maneiras práticas de fazer frente às ações alinhadas ao obscurantismo. Mas, ao menos nos pensamentos e comunicação, com o alcance que tivermos, é necessário ser oposição à desumanidade. Por isso, volto à Lilia: não é uma batalha esquerda-direita-centro; trata-se de um muro que divide humanos e não humanos.
E hoje, aqueles que ainda insistem e se alinham ao capitão da República, assinam o contrato diário com o extermínio constante, direto ou indireto. Vestem a camisa de um projeto de destruição nacional, ao contrário do que podem pensar.
Os tiranos distribuiriam grandes quantidades, um alqueire de trigo, um galão de vinho e um sestércio, e então todos gritariam sem vergonha: “Viva o Rei!” Os tolos não percebiam que estavam apenas recuperando uma porção de sua própria propriedade, e que seu governante não poderia ter lhes dado o que estavam recebendo sem antes tê-lo tirado deles. (Trecho de ‘O discurso da servidão voluntária’, de Étienne de la Boétie)
George Orwell também foi capaz de resumir bem, de modo visionário, o cenário radical que países feito o Brasil enfrentariam:
GUERRA É PAZ, LIBERDADE É ESCRAVIDÃO, IGNORÂNCIA É FORÇA (Trecho do livro ‘1984’)
Bruno Pereira e Dom Phillips não estavam vivendo “uma aventura”. Estavam trabalhando por algo que acreditavam, pela Amazônia que brilhava seus olhos, o que fica claro nesse vídeo em que Bruno canta:

Os dois, infelizmente, passaram a compor o grupo de mártires recentes no Brasil, assim como Genivaldo’s, Marielles e tantos outros mais…
Essa newsletter não tem intenção de ser politizada, mas, em ano de eleição, não ter olhares atentos ao que acontece em nosso território é ficar em cima de um muro perigoso. Sejamos muito mais conscientes em 2022 para lidar e, acima de tudo, remover muito do ódio que aqui impera.


Na minha última leitura, ‘A Arte da Felicidade’, inclusive, o capítulo 13 trazia o tema “Como lidar com a raiva e o ódio”, acompanhado de uma reflexão de Shakyamuni, o Buda:
Se deparamos com uma pessoa que levou uma flechada, não perdemos tempo nos perguntando de onde a flecha pode ter vindo, a que casta pertencia o indivíduo que a atirou; analisando de que tipo de madeira a flecha era feita, ou de que modo foi talhada a ponta da flecha. Em vez disso, deveríamos nos concentrar em arrancar a flecha imediatamente.
Um respiro ao coração dolorido com dicas da semana…
Arremessando Alto - O filme produzido por Lebron James faz valer duas horas no sofá em meio à nossa vida faceira. Adam Sandler interpreta Stanley, um olheiro dos 76ers para a NBA. Quando tudo parece perdido em suas buscas por um talento a ser lapidado, as ruas da Espanha o presenteiam com um jovem de personalidade e nome fortes: Bo Cruz está na área. Bo é interpretado por Juancho HernánGomez, jogador de verdade do maior campeonato de basquete. O espanhol também brilhou nas telinhas!
Billie and David - Mais uma recomendação da titia Netflix a você. Alô, Netflix, quer patrocinar a newsletter? risos. Brincadeira com fundo de verdade à parte, vale a pena assistir o episódio da conversa entre David Letterman e Billie Eilish. A jovem estrela americana dá espaço às vulnerabilidades ao revelar o diagnóstico de Síndrome de Tourette e evidenciar doses de Síndrome do Impostor. Aos 20 anos, o meteoro da música pop mundial também mostra um pouco do seu processo musical ao lado do irmão Finneas. Aliás, botando reparo, achei Eilish a cara da Jade Picon, só que mais roots, hehehe.
Fantástico conversa com especialistas sobre atos violentos cada vez mais banais e constantes [e houve quem achasse que sairíamos melhor da pandemia…]
Vance Joy lança novo álbum "In Our Own Sweet Time" [o ex-jardineiro australiano não erra nunca]
Essa história tragicômica do bolo gelado, em ‘Não Inviabilize’, para quebrar um pouco do caos [Déia, muitas vezes, é alento a nós brasileiros]
Um texto singelo, fofinho, para você ler hoje [sabe descascar laranjas?]
Ponto para o titio (ou vovô?) Silvio Santos [o dono do Baú já escorregou e vacilou muito nessa vida, mas lembremos que ela é feita de erros e acertos]
Nesta seção, vou deixar indicações que, se você decidir adquirir pelo link daqui, pode ser que me ajude com um percentual de afiliado. Isso não quer dizer que a recomendação seja aleatória, só com intenção de receber por isso. Vou indicar apenas o que realmente curti, ou soube que vale a pena por meio de alguém que confio. Mas, ganhar dindin não faz mal a ninguém, né?
Desculpa, só consigo escrever tristeza
Liv Oliveira oferece textos crus, daqueles bem viscerais, numa identidade que se assemelha à minha em alguns períodos da vida. É bom sentir sincronicidades nas leituras. Nesta semana, aliás, mais uma de duros golpes a nós brasileiros, o título da obra faz total sentido.
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*valor sujeito a alteração conforme a data de acesso*
Amazonas: mito grego
menos antigo que os mitos da Amazônia.
Os que vivem no Cosmo há milênios
são perseguidos por mãos de ganância,
olhos ávidos: minério, fogo, serragem, fim.
Quem são vocês,
incendiários desde sempre,
ferozes construtores de ruínas?
Os que queimam, impunes, a morada ancestral,
projetam no céu mapas sombrios:
manchas da floresta calcinada,
cicatrizes de rios que não renascem.
atrás da humanidade amazônica?Que triste pátria delida,
mais armada que amada:
traidora de riquezas e verdades.Quando tudo for deserto,
o mundo ouvirá rugidos de fantasmas.
E todos vão escutar, numa agonia seca, o eco.
Não existirão mundos, novos ou velhos,
nem passado ou futuro.No solo de cinzas:
o tempo-espaço vazio. (Milton Hatoum - O fim que se aproxima)
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