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Os últimos dias foram nostálgicos. Minha mãe me mostrou atividades e provas dos tempos da primeira série e bateu aquele sentimento bom. Muito antes de chegar ao mundo dos adultos, é singelo observar como uma criança pode enxergar a si e ao seu redor.
Se hoje queremos entender todos os rumos possíveis, desvendar cada pedaço do caminho, aos seis, sete anos, geralmente estamos satisfeitos com as descobertas mais simples.
“Eu acho que sou bom porque eu tenho um coração bom. Se eu fosse grande seria jogador de futebol com muito orgulho” são algumas das frases escritas numa folha com um ursinho Pooh à direita (lembra dele?).
E ainda exalava tranquilidade ao dizer “veja o desenho bonito que vou fazer”. Crescido, tenho certeza sobre minha total inaptidão como desenhista, mas a criança que fui não parecia se importar com julgamentos. Reinava autocompaixão, mesmo sem ter ideia do que isso se tratava naquele tempo.
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A nostalgia seguiu forte. Depois de muitos anos, encontrei Regina Nicolau, minha professora de português do Ensino Médio. A primeira a me dizer: “Você precisa fazer umas aulas de reforço pra melhorar seus textos”.
A um adolescente cheio de confiança nas próprias produções, aquilo soou afrontoso demais — crianças, sem ligar direito pra o que quer que seja; adolescentes, rebeldezinhos cheios de si (ô fase).
Não entendia como aquele grande escritor de 14, 15 anos poderia ter que melhorar algo. Ironias à parte, sentia, de verdade, que não havia o que evoluir, imagina...
Um golpe e tanto pensar que, anos mais tarde, a síndrome do impostor bateria tão forte em vários momentos.
O encontro me fez feliz porque pude dizer: “Talvez não saiba, mas você me transformou com aquela chacoalhada”.
Ela deu um sorrisinho discreto de quem no fundo sabe desse papel de transformação que só a sala de aula proporciona. E preferiu um tom humilde:
“Imagina… A gente continua aprendendo todos os dias”
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Tenho tido pesadelos nos últimos dias. Em um deles, um monte de crianças debaixo de uma cama pequena, o que me causava medo, sabe se lá o motivo. Agoniei e gritei até ser acordado com o coração acelerado. No outro, ouvia barulhos pela casa, sabia que era vigiado em meio à escuridão da madrugada, mas não conseguia mexer as pernas.
“Na vida não temos só sonhos ou só pesadelos, a alternância entre ambos é que faz a realidade.” (Charles Chaplin)
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Minha mãe me liga e diz: “Tomei uma decisão”
Na sequência, fala sobre todos os passos que pensou pra quando partir.
“Acordei às 3h, não consegui mais dormir e comecei a pensar”
Poderia ter sido uma comunicação triste, mas, inacreditavelmente, talvez tenha sido uma de nossas trocas mais francas e bonitas de toda a vida.
A mãe, felizmente, está com a saúde em dia. Ainda assim, a conversa me lembrou um pouco a inspiração de José Henrique Bortoluci para escrever o livro ‘O que é meu’ (aliás, quero comprá-lo): em várias conversas gravadas, o pai do autor falou sobre a história familiar, as andanças como caminhoneiro e o enfrentamento a um câncer devastador.
Diante de tanta franqueza envolvida, até consegui “brincar com a morte”:
“Você quer me dar trabalho, hein, cheia de pedidos. E se eu for antes? Preciso pensar na minha decisão então”, respondi, rindo.
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“Mas ninguém me explica por que que essa torneira aberta
neste silêncio de noite
parece poesia jorrando…
Sou bugre mesmo
me explica mesmo
me ensina modos de gente
me ensina a acompanhar um enterro de cabeça baixa
me explica por que que um olhar de piedade
cravado na condição humana
não brilha mais que anúncio luminoso?
Qual, sou bugre mesmo
só sei pensar na hora ruim
na hora do azar que espanta até a ave da saudade
Sou bugre mesmo
me explica mesmo:
se eu não sei parar o sangue, que que adianta
não ser imbecil ou borboleta?” (Manoel de Barros, em ‘Poemas concebidos sem pecado’)
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Na folhinha do Pooh, eu escrevia: “Quem toma conta de mim é minha mãe”.
A gente cresce, muitas vezes os papéis se invertem.
Nos preocupamos com os nossos tanto quanto eles se preocupam conosco.
A vida é nostálgica, irônica, complexa.
Mas tem boniteza no meio disso tudo…
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“o que pode ser mais forte
que o coração da gente
que se quebra em tantas
partes
e ainda bate” (Rupi Kaur, em ‘O que o sol faz com as flores’)
Exercitei a escrita num formato um pouco diferente hoje, inspirado pelo livro ‘A Trégua’, de Mário Benedetti, que terminei em janeiro. Se puder, me conta o que achou nos comentários! :)
Antes, uma boa pedida, um meme bem Black Mirror:
E mais…
🤧 Novela é vida (preciso começar a ver essa)
🤓 Tweets-terapia
😋 Vídeos dele são tudo
🙊 Aulas com Snoopy
A morte do avô
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Poeta
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Até logo! 😘
Amei o texto, Esdras. Coisa linda essa nostalgia, amo encnntrar cadernos antigos e acessar a garotinha que eu fui🥹Estou aprendendo a falar sobre a morte com minha mãe também (antes era tabu) e tem sido importante. Seu texto me inspirou!
que delícia e que lindeza de texto, Esdras <3