Leia a edição anterior: [quase sem edição]
Antes do relato da edição, gostaria da sua honestidade:
Você sabe o que é essa “planta verde” sendo recolhida por essas senhoras?
Se não sabe, muito provavelmente também é um(a) privilegiado(a).
Nesta semana, fui fazer uma reportagem em um conjunto habitacional de São Carlos, interior de São Paulo.
No dia anterior a essa pauta, conversava com um dos cinegrafistas sobre os fatores capazes de nos manter numa profissão que, sem qualquer drama, não é tão fácil quanto pode parecer.
E, na TV, mais diferente ainda do que pode se pensar, não existe glamour algum. Não à toa, costumo apelidar nós, repórteres, de operários da informação.
Há muita complexidade envolvida no mercado do jornalismo. Já falei muito sobre em algumas redes e espaços, então prefiro “poupar” as frustrações por aqui — até porque tenho vivido uma fase feliz, de reencontro com um equilíbrio que não vivia faz algum tempo, então as inquietações opto por deixar em segundo plano.
Usarei o texto pra tratar da “contrapartida” que faz com que a rua ainda me abrace, brilhe os olhos em meio às dificuldades e obstáculos.
A rotina da reportagem nos coloca diante das mais variadas histórias. E voltando ao papo de se manter nessa lida toda, a minha resposta à continuidade no jornalismo diário é justamente a chance de, vez ou outra, descobrir histórias invisíveis que precisam ser contadas — caso dessas senhoras da imagem, dona Rute e dona Neusa.
A princípio, fui gravar sobre os terrenos repletos de lixo, entulhos e afins no conjunto habitacional, mas o assunto naturalmente foi ampliando.
Primeiro com um homem em situação de rua, visivelmente perturbado, sob efeito de drogas. Tentava montar um colchão em uma área ao lado de uma creche e, de repente, minutos depois, começou a colocar fogo em vários itens do terreno.
Aí não é possível fazer uma análise rasa. Aquele homem tem uma história por trás até chegar naquele comportamento. Não é uma revolta descabida, aleatória.
Logo ao lado, Rute e Neusa pegavam com destreza a tal “planta verde” que, agora, se você não faz ideia do que seja, te conto: é broto de abóbora, também conhecido como cambuquira.
Quando as observei ali, antes que fizesse qualquer pergunta, dona Neusa se adiantou:
É a nossa carne, né?!
A frase soou como uma faca que atravessa. E a dor é maior ainda ao pensar que milhões de brasileiros vivem os mesmos — ou até piores — contextos.
No alto do privilégio, a gente chega a refletir cheio de indignação:
Como é que pode alguém não ter condição de comprar carne, o básico?
A minha maneira de ajudá-las de alguma forma, enquanto jornalista, é dando voz, entregando meu tempo, olhando nos olhos.
Não tenho como transformar por conta própria aquelas vidas, no aspecto financeiro. Mas sei que essas histórias precisam ser contadas, sobretudo na tentativa de romper a ilusão que circunda os discursos meritocráticos.
Afinal, não é possível que alguém consiga conceber que Neusas e Rutes do nosso Brasil não prosperam “porque não querem”, ou porque “não correm/correram atrás”.
Precisamos entender, de uma vez por todas, que a batalha pela sobrevivência é uma realidade muito mais comum do que o contrário, embora geralmente distante de olhares privilegiados.
Voltei da pauta triste. Não poderia ser diferente. Neusa, principalmente, me fez lembrar minha avó. Reitero: não consigo mudar essas vidas. Mas sei que, no meio do caos que deve ser o ato de sobreviver, ser ouvido(a) com atenção pode ser algo virtuoso.
Depois de conversarmos, elas até sorriram um pouco. E eu agradeci por terem cruzado meu caminho com mais lições, ainda que doloridas.
Que tal contribuir com o projeto?
As edições por aqui envolvem muita responsabilidade, zelo, carinho… Pra contribuir, você pode participar do financiamento coletivo no apoia.se:
Agora, se gosta do conteúdo e prefere mais rapidez, também pode me fortalecer, no melhor valor ao seu bolso, por meio de pix para esdraspereiratv@gmail.com.
Ela é tudo:
Por falar em Rita Lee…
Você viu a repercussão e as críticas um título da Folha em matéria sobre a morte da artista?
Mas, convenhamos, é preciso ter cuidado… Será que só o título era problema?
Jana Viscardi escreveu um fio que vale muito a pena conferir
No fim das contas, o que queremos, Rita?
Enable 3rd party cookies or use another browser
Não poderia terminar diferente.. 🎵🎙️
Se perdeu alguma edição anterior, não se preocupe:
Com base nos critérios de recompensa do financiamento coletivo mensal, meu agradecimento especial a:
Mariana Maginador, Rafael Vieira, Camila Laister Linares, Bruno Rodrigues, Carol Magnani, Adelane Rodrigues, Rogeria Portilho, Lucas Pereira, Evilazio Coelho, Welliton Nascimento e Beatriz Souza.
Até logo! 😘