#57 - Vida Vivida [escrever não serve pra nada]
O que ganho com isso? E você, o que ganha lendo?
Leia a edição anterior: [eu estou vivo]
Escrever, na maioria das vezes, não é uma relação de ganhos — financeiros, pra quem escreve; reais e práticos, pra quem lê.
Quem escreve, normalmente, tem a sensação de que PRECISA conter de alguma forma o seu vulcão em erupção, estancar o sangue interno usando gases costuradas com letras, papéis em branco, folhas de anotações.
E essa forma, via de regra, costuma envolver palavras. É difícil descrever (oh céus, que ironia!) esse sentimento, mas, se você tem relação com a escrita ou qualquer outro tipo de arte, vai me entender, sei disso. Pra quem lê, a parte “aplicável” da leitura é cheia de complexidades — não fosse assim, devorar livros de autoajuda seria certeza de vida plena, isenta de quaisquer problemas.
Nesta semana, assisti a um filme argentino, ‘O Suplente’, em que um professor substitui as aulas de literatura do pai num colégio público no subúrbio de Buenos Aires, onde cresceu — a trama, confesso, me lembrou um pouco Escritores da Liberdade, sabe?!.
A pergunta inicial de Lucio no encontro com os primeiros alunos é: “Pra que serve a literatura?”
A resposta de um deles é um disparo: “Pra nada”.
Realmente, do ponto de vista do capitalismo — este “caminho” devastador que inevitavelmente nos pauta —, a escrita, a literatura e a arte dificilmente servem a uma grande finalidade.
São pouquíssimos os que vão conseguir quiçá sobreviver financeiramente nesse universo. Ostentar algo, então, ser um best-seller? Xiiiii! É quase um paralelo à realidade futebolística em que surgirão 1000 Messi’s até UM Messi finalmente vingar.
Se isso me chateia? Ô, claro, porque quem está mergulhado nessa areia movediça das palavras gostaria de contar com garantias e/ou mais qualidade de vida nesse mundo da criação, tão parte de nós ligados à escrita, a uma determinada veia artística.
Caso fosse possível, gostaria de tocar a vida unicamente escrevendo aquilo que me arrepia, me pede passagem, mas, infelizmente, não é possível.
E, dentro dos requintes de necessidade, rotineiramente sou fisgado pelo dever implacável do money talks (bem pouco money, por sinal) em que, ao invés de despejar uma edição de newsletter nova e especial, estou robotizando um texto com técnicas de SEO sobre “Como assistir novelas do SBT pelo celular”.
Por outro lado, também machuca e é irônico perceber que as palavras, tão fundamentais no nosso dia a dia, possam depender de uma contrapartida tão voraz e pouco palpável como o dinheiro. Mas o que fazer se é assim que a banda toca?!
O
, pra variar, soube rasgar as tripas escritorescas no texto em que o título já provoca: “Escrever é um hobby?”. Me vi ali, em muito de cada parágrafo:“Escrever toma tempo, e esse tempo não é remunerado. Escrever é um hobby? Ok, eu sei que dá para ganhar dinheiro com a escrita, mas dinheiro mesmo, viver disso e pagar o plano de saúde das crianças, é difícil. Viver da arte sempre foi para poucos.”
E sim, eu sei a ironia de escrever sobre falta de grana nessa newsletter, do alto do meu privilégio de classe.
E esse é outro nó. Não acho que minha história valha a pena ser contada.
Então, escrever pra quê?
Escrevo porque preciso escrever. Porque minha cabeça fervilha de ideias, sensações, memórias, impressões que me assombram, e que eu só consigo lidar colocando no papel. Em outras palavras, para me comunicar. Para cultivar relações, para ser um humano em comunidade com outros seres humanos. Para mim, ficar sem escrever é me isolar.”
ps: obrigado, Rodrigo, por traduzir tão bem tudo isso
Às vezes, confesso, gostaria de uma remodelagem cerebral, um rebobinar da própria fita. Me questiono lá no inconsciente:
Por que foi se moldar a partir dessa conexão tão grande com o abstrato, meu caro? Por que, de fato, não definir a escrita meramente como um hobby? Por que não posso destruí-la e seguir outro caminho mais simples, concreto? Por que não nasci como aquelas criancinhas supergênias que impressionam no Luciano Hulk e tem 99,9% de chances de um futuro sem sustos?
Mas, às vezes, também me irrito com a lógica do capital, assim como o Rodrigo nesta outra brilhante edição:
“Talvez não, a figura do artista faminto existe há centenas de anos. Por outro lado, capitalismo é coisa recente, monopólios globais então, coisa de quarenta anos só. Sabe, minha utopia seria robôs fazendo o trabalho chato e renda básica universal pra cada um. Quem tem sangue nos zóio vai trabalhar mais, quem só quer fazer arte e magia e pisar na grama ainda vai conseguir viver bem.”
Honestamente, tenho lido e relido o que já escrevi até aqui e, diferentemente de outras ocasiões, encontro bastante dificuldade pra encerrar esse texto.
É bem provável que ele seja um bocado inconclusivo mesmo.
Aliás, é também difícil escrevê-lo porque vivi um contraste de referências antes de colocá-lo pra fora. Se me deparei com o tom visceral do Rodrigo, também li a
, gigante por aqui, celebrar o aniversário de um ano da newsletter dela dizendo que um dos pilares é justamente a leveza.“Por isto, como leitora, quando eu abro algo que leio por entretenimento, a última coisa que quero ver é... mais crítica e reclamação (por mais que respeite o papel disto em outras publicações). Talvez eu não consiga em todas as edições e é possível (provável) que haja alfinetadas aqui ou ali, mas me esforço e me esforçarei para manter a energia leve mesmo em meio a análises com opiniões contrárias a algo. Porque a vida real de todo mundo já tem treta demais, na hora do recreio eu quero sorrir – e, se der, fazer sorrir.”
É, minha gente… Pra não alongar e correr o risco de me perder, apenas: me desculpe trazer mais doses de treta no que poderia ser seu momento de paz em meio à vida já tão repleta de tiro, porrada e confusão. Pero, esse soy yo.
Apesar disso, de alguma forma, isso aqui me aliviou. Foi como me trancar num carro com vidros fechados e gritar o mais alto possível, fazendo uma careta parecida à da foto que ilustra a edição.
E, convenhamos, uma intenção aqui foi cumprida.
Afinal, lembra, eu disse lá no começo, escrever às vezes é unicamente como estancar o sangue e, então, de algum modo, se manter vivo. Atento a um pouco de tudo e muitas vezes a um pouco de nada, a depender dos devaneios desse ato tão repleto de amor, ódio e incertezas.
O filme citado:
Recomendação de newsletter:
É chegada a hora do “oi, capitalismo…”
Se sentir que minhas palavras valem algum reconhecimento financeiro, aqui vamos nós…
Caso queira mais rapidez e deseja apoiar pontualmente, também pode me fortalecer, no melhor valor ao seu bolso, por meio de pix para esdraspereiratv@gmail.com.
Mas, é claro, se achar que não faz sentido apoiar no modo capitalista, se puder, por favor, ao menos me conte, respondendo a esse e-mail, ou nos comentários, o que minhas palavras significam/já significaram a você. Serei muito feliz em saber!
Se perdeu alguma edição anterior, não se preocupe:
Aquela despedida ao som de um som… 🎵🎙️
Com base nos critérios de recompensa do financiamento coletivo mensal, meu muito obrigado a:
Mariana Maginador, Rafael Vieira, Camila Laister Linares, Bruno Rodrigues, Carol Magnani, Adelane Rodrigues, Rogeria Portilho, Lucas Pereira e Beatriz Souza.
Até logo! 😘
Ahhh, que edição mais linda, só para variar! Obrigada pelas reflexões, Esdras. Escrever para não se isolar: taí um negócio que fez sentido, ainda que, quando escrevemos, estamos fisicamente nos isolando, hahaha! Também queria agradecer pela indicação do clipe da Mariana, que vibe boa! Amei a música, não conhecia, e já viciei. Um beijo pra você!
Amei a edição, mas vou discordar de leve em um ponto: você conseguiu falar de um tema que costuma ser denso pra gente de maneira leve! Sabe, eu também "escrevo porque preciso escrever", mas depois de 20'amos entendi que, como diz aquela famosa frase "escrever é fácil ou impossível". Então temos que (nos) valorizar, educar o mercado e olhar pros gringos que já mostram como dá pra ser criativo e ganhar dinheiro!
Obrigada pela citação! ❤️