#67 - Tire o peso de si
Um novo ano e uma velha máxima: o agora é o único fruto que nos pertence
A primeira leitura do ano me alugou muitos triplex (curiosidade de momento: triplex tem plural? triplexes [ô coisa feia], se existisse, só poderia ser coisa de bilionário mesmo) na cabeça.
‘Quatro mil semanas: gestão de tempo para mortais’, de Oliver Burkeman, veja, tem um pezinho na autoajuda, mas também reúne um bom percentual de provocações válidas às nossas vidas mundanas.
Faço essa ressalva sobre autoajuda porque tenho sido bem avesso a esse tipo de característica/”segmento”. Tudo que soa como um manual ou direção única a um determinado caminho tem merecido minha desconfiança.
Afinal, “o sol nasce igual para todos” é papo de quem realmente tem o privilégio de admirar o nascer ou o pôr dele sempre que quiser. À maioria o sol nasce e as pessoas mal se dão conta, já no segundo ou terceiro transporte público do dia.
Nota posta, vamos lá…
Esse é um livro que recomendo pra gente incorporar um modo subversivo à nossa ânsia por controlar o tempo, controlar a vida.
“Agora é tudo que você terá”, resume Burkeman em uma das mais de 200 páginas.
Uma grande prova disso é a história triste que acendeu minha atenção logo depois de terminar a leitura.
Abro as redes sociais e vejo a notícia sobre a morte de João Carreiro, cantor sertanejo de 41 anos que não resistiu a uma cirurgia no coração. Não o acompanhava, mas pelo que vi da repercussão parecia ser alguém divertido, bem-humorado…
Ele mesmo, nas redes sociais, às vésperas do procedimento, falava em tom descontraído com a esposa, “brincava” com a morte, dizendo que, se “empacotasse”, não queria ficar com aquela roupa de hospital.
O desenrolar da operação também se assemelhou à imprevisibilidade da vida. Em um intervalo de 16 horas, a esposa de João, Francine, atualizava os fãs nos stories:
“O coração dele já está funcionando sozinho com a nova válvula e para a honra e glória de Deus começaram o procedimento de fechar a cirurgia.”
Três horas depois…
“Orem pela vida dele pelo amor de Deus”
Nove horas depois…
“Minha vida me deixou”
Nossa estadia por aqui é exatamente assim: ultrajantemente incerta.
E o título dado por Burkeman ao livro se refere e resume apenas alguns privilegiados: pessoas que chegam aos 80 anos completam cerca de quatro mil semanas de vida.
Quando um novo ano chega, por costume as pessoas fazem metas, planos, estabelecem projeções, redefinem sonhos. É justo que isso aconteça pois serve de combustível pra nos manter por aqui.
Mas, dentro dessas resoluções, quantos de nós tiramos o peso se muito disso não der certo, não nos couber?
Como aceitar caso aquela viagem dos sonhos precise ser adiada porque um enorme vazamento tomou conta do banheiro?
O que vai acontecer caso sua meta de ler ao menos um livro por mês escorra pelos dedos?
Qual o grande problema de a academia eventualmente dar vez àquela caminhadinha no parque?
A salada, hoje, ficou pra história e o amendoim com cerveja entrou em cena — e agora, José?
Caso eu esteja no meio dessa edição achando que o texto desgovernou e ela não está nada boa, o que deveria fazer? Apagar tudo, não enviar?
Como parar com o pensamento de que tantos são superiores a nós?
Se acharem que você não serve mais àquele trabalho, o mundo acaba em instantes?
E mais: ao descobrir que alguém não gosta nem um pouco de você, qual a terrível consequência?
“De que modo você ainda tem que aceitar o fato de que você é quem é, não a pessoa que pensa que deveria ser?” (Oliver Burkeman)
Mesmo que fossemos quem almejamos ser, tenha certeza: encontraríamos outro alguém pra mirar e alimentar nosso incômodo com a própria existência.
O vazio é nossa parte mais intrínseca, aparentemente.
Agora, diante da ausência de certezas da vida, reflita com outra passagem do livro:
“A professora budista Susan Piver assinala que pode ser surpreendentemente radical e desconcertante para muitos de nós, perguntar como gostaríamos de aproveitar nosso tempo.” (Oliver Burkeman)
Responder isso envolve muita complexidade. E aceitar mais quem/aquilo que somos pode ser um grande passo à leveza da vida.
Não estamos imunes às lágrimas e às tristezas, mas merecemos olhar com muito mais carinho para dentro.
José Luis Borges avisava com uma belíssima construção:
“O tempo é um rio que me arrebata, mas eu sou o rio; é um tigre que me destroça, mas eu sou o tigre; é um fogo que me consome, mas eu sou o fogo.”
🧐 A ironia da meritocracia pt.1
🧐 A ironia da meritocracia pt.2
😲 Posso cansar de quem eu amo?
❤️ Boniteza da vida…
😪 Já chorou com TikTok?
A vida secreta de Érico Silva
por
“Ao acordar no hospital, Érico foi tomado mais pelo susto que pela dor. Exceto por uma leve batida na cabeça, mal se podia dizer que o golpe do acaso impedira-o de chegar pontualmente às 8h25 ao escritório de contabilidade onde trabalhava há três décadas.
O maior prejuízo do acidente foi a amnésia. Mas não se tratava de qualquer perda de memória. Nos dias seguintes àquela fatídica manhã, Érico não podia lembrar-se de um livro sequer que tenha lido nem revista ou notícia de jornal.”
Christian fez um conto de newsletter causar aquela sensação de um livro que não queremos terminar. Só leia:
Analisando o cardápio do paris 6
por
“Strogonoff de cheddar? O que significa um strogonoff ser de cheddar? Se você bota queijo num molho que não leva queijo, não vira outro molho? Não é assim que os molhos se inventam? Quem é Camila Loures? Que lugar bege é esse com espelho na parede e um quadro do Neymar? Pra quê essa pimenta gigante em cima do arroz menos apimentado que eu já vi? Quem é Camila Loures??? Eu preciso de respostas. Eu ouço o chamado. É preciso virar jornalista.”
Veja a seguir uma obra-prima de jornalismo com pitadas apimentadas de sarcasmo:
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Esdras, fico muito feliz com a recomendação! Essa é uma história que me emociona muito porque reflete o que é a poesia para mim. Um forte abraço!
Quando pedi exoneração, eu estava pensando exatamente sobre como eu quero gastar o meu tempo. Há reflexões que ficam na nossa cabeça como uma coroa de espinhos, disse um poeta que não vou lembrar o nome agora... Obrigada por me relembrar este momento.
Até!