Um carrinho cheio de compras.
A esteira leva os produtos na velocidade da luz.
A criança empolgada com a quantidade de bolachas recheadas e todas as demais gostosuras que teve a oportunidade de escolher.
A atendente do caixa diz o valor total.
A mãe continua plena e eu, atrás, ao contrário, me espanto.
Poucas vezes vi um carrinho tão abastecido assim.
Na minha cabeça, o preço soa repetidamente, como se a colaboradora do mercado estivesse com a fita travada. O que travou mesmo foi o meu cérebro ao ouvir. É que ouvindo aquilo, um filme passa à cabeça. Sou o tipo de pessoa inconformada com o macro dos problemas da sociedade.
- OITOCENTOS E QUARENTA E UM REAIS E SESSENTA E CINCO CENTAVOS.
- OITOCENTOS E QUARENTA E UM REAIS E SESSENTA E CINCO CENTAVOS.
- OITOCENTOS E QUARENTA E UM REAIS E SESSENTA E CINCO CENTAVOS.
Aquele valor me transporta à comunidade G3, um reduto ocupado por centenas de tentativas de moradia. Tetos improvisados, madeiras que nem sempre resistem às maiores ventanias. No dicionário do lugar não há espaço para a palavra sa-ne-a-men-to. É uma ocupação de sobrevivência numa área mais periférica de Sorocaba, aqui no interior de São Paulo. Tive a oportunidade de conhecer nos tempos recentes de repórter.
Lembro, principalmente, da dona Quitéria, uma senhora de 62 anos que me mostrava a carteira quase vazia, não fosse a moeda que, supersticiosamente, ela dizia que servia como tentativa de “chamar dinheiro”. Na mesma comunidade, a Dulcimara, uma dona de casa um pouco mais nova, me contava sobre a aflição ao ouvir o filho Gabriel, de 7 anos, pedir um danone e ela não poder atender. Que diferença para a criança ao lado da mãe e do carrinho cheio de guloseimas e delícias.
Meses depois, conheci a Ocupação Rosa Luxemburgo, em Votorantim, e contei histórias como a da dona Rose e a do Carlos Eduardo. A vida dessas pessoas que resistem em condição de extrema pobreza é tão sofrida que é possível perceber o constrangimento delas ao ter de admitir que já passaram fome.
E há quem tenha a nefasta coragem de dizer que não há “fome para valer no Brasil”, ou afirmar que nunca viu ninguém pedindo pão em padaria. Tudo isso no país em que 33 MILHÕES de pessoas passam fome.
Quem sabe destas nossas bandas, entende que a realidade não é aquela que vi no caixa de supermercado. O retrato brasileiro é justamente mais próximo ao de famílias de Quitérias, Dulcimaras, Roses e Carlos Eduardos espalhados por aí.
Ao visitar pela segunda vez a exposição sobre Carolina Maria de Jesus (a primeira no IMS, em SP; e a segunda no Sesc Sorocaba), encontro muitas respostas práticas àquilo que temos vivido. As reflexões desta gigante até parecem contemporâneas.
Quem dera, um dia, Quitérias, Dulcimaras, Roses e Carlos Eduardos pudessem ter a chance de ouvir o seguinte ao passar um carrinho de compras:
- OITOCENTOS E QUARENTA E UM REAIS E SESSENTA E CINCO CENTAVOS.
- OITOCENTOS E QUARENTA E UM REAIS E SESSENTA E CINCO CENTAVOS.
- OITOCENTOS E QUARENTA E UM REAIS E SESSENTA E CINCO CENTAVOS.
E claro, depois de ouvir, pagar sem medo de ser feliz.
Talvez você não imagine, mas produção da news é bem trabalhosa. Entre escrever, organizar, editar, fazer a curadoria de conteúdo e gravar a versão em áudio, tudo pode levar entre 4 e 6 horas de dedicação. Portanto, se você gosta e considera um projeto interessante, te peço uma ajuda especial: um apoio financeiro à news. E sendo ainda mais sincero: no momento, estou sem emprego fixo, então tenho considerado o que produzo aqui como um trabalho mesmo, embora possa parecer unicamente prazer a alguns. Ressalvas feitas. Se você puder contribuir com o financiamento coletivo, qualquer quantia é bem-vinda nesta fase não tão mole da vida.
Se gosta do meu trabalho, você também pode fazer um apoio pontual e único ao projeto, no melhor valor, aquele que cabe no seu orçamento, por meio do pix para esdraspereiratv@gmail.com.
Muito obrigado! ❤️
Se você tem condição de ajudar pessoas que passam fome, mas não sabe como, esse conteúdo do R7 pode auxiliar com alguns caminhos e sugestões de instituições para contribuir.
Caso seja de Sorocaba e região, recomendo pesquisar o trabalho do Banco de Alimentos local, uma instituição séria que tive a oportunidade de conhecer durante uma das reportagens que citei no texto principal da edição.
Nesta seção, vou deixar indicações que, se você decidir adquirir pelo link daqui, pode ser que me ajude com um percentual de afiliado. Isso não quer dizer que a recomendação seja aleatória, só com intenção de receber por isso. Vou indicar apenas o que realmente curti, ou soube que vale a pena por meio de alguém que confio.
A metamorfose - Franz Kafka
Uma história que parece fantasia, mas carrega inúmeras realidades onipresentes. Há muita filosofia, muitos contextos sociais nesta obra tão aclamada de Kafka. A linguagem é simples; a compreensão filosófica-social, nem tanto.
📚 COMPRE AQUI - R$ 27,60 (físico) | R$ 7,99 (Kindle)
*valor sujeito a alteração conforme a data de acesso*
CONFIRA OS LIVROS MAIS VENDIDOS DA AMAZON

Um site que pode te ajudar a decidir em quem não votar de jeito nenhum [não dá mais para viver dizendo “não gosto de política” e depois reclamar de quem está por nós]
In the right, in the left or in the medium from behind, Joel? [esse quiz te entrega o seu perfil ideológico]
Talvez você não saiba, mas muito do nosso caos começou nos tempos do Batman do Leblon [prepare-se para essa tragicomédia de quase uma década atrás]
A tontura da fome é pior do que a do álcool. A tontura do álcool nos impele a cantar. Mas a da fome nos faz tremer. Percebi que é horrível ter só ar dentro do estômago. (Carolina Maria de Jesus)
Gracias por estar aqui comigo! <3
Com base nos critérios de recompensa do financiamento coletivo, meu agradecimento especial a:
Mariana Maginador, Rafael Vieira, Camila Laister Linares, Bruno Rodrigues, Basílio Magno, Ana Maria Pivetta, Fátima Castanho, Rogeria Portilho, Mara Pereira, Rubens Pereira, Lucas Pereira, Vitor Cavaller, Welliton Nascimento e Beatriz Souza.
Share this post