Vida Vivida
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#14 - Vida Vivida [dores do quarto setênio]
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#14 - Vida Vivida [dores do quarto setênio]

Ânsias, frustrações e incertezas... Se puder, ouça o áudio de hoje
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No instante após ouvir minha psicóloga dizer que sou controlador pela primeira vez, a reação era de alguém que acabava de ser afrontado. 

“Como assim, eu, controlador?”

É que ouvir sobre essa característica costuma remeter àquelas pessoas autoritárias, que normalmente não medem palavras, não pensam nas consequências de algumas ações.

Pode haver esse perfil de controlador, um tanto mais abusivo. Mas há outro tipo também: o de pessoas, feito eu, que querem ter o controle da maioria das situações a seu respeito na vida. Acontece que, em nosso caminho, as coisas dificilmente dependem única e exclusivamente de nós. Há uma série de fatores e pessoas como interferência nessa rota que gostaríamos de dominar por completo. 

Vivo uma fase diferente. Me sinto confuso há um tempo considerável e até já cheguei a falar um pouco por aqui sobre isso. É porque atravesso o momento que talvez haja mais falta de controle sobre o meu percurso desde o início da minha vida adulta. Um amigo, leitor da news, me recomendou pesquisar sobre um conceito chamado Antroposofia e achei bastante interessante. Será o fio condutor da edição de hoje.

“A Antroposofia, do grego ‘conhecimento do ser humano’, introduzida no início do século XX pelo austríaco Rudolf Steiner, pode ser caracterizada como um método de conhecimento da natureza do ser humano e do universo, que amplia o conhecimento obtido pelo método científico convencional, bem como a sua aplicação em praticamente todas as áreas da vida humana”, escreve Valdemar Setzer,  professor titular do Departamento de Ciência da Computação da Universidade de São Paulo (USP), em artigo publicado em 1998 e modificado em 2014 no site do Instituto de Matemática e Estatística da USP. 

A explicação acima provavelmente soa um tanto complexa, mas dá para tentar fazê-la de modo mais límpido. Uma das formas é por meio de uma teoria que faz parte da Antroposofia, a chamada Teoria dos Setênios. Nela, a nossa vida, basicamente, é dividida em ciclos de sete anos, existindo os Setênios do Corpo, os Setênios da Alma e os Últimos Setênios

“Os três primeiros ciclos da vida, dos 0 aos 21 anos, são denominados setênios do corpo. Este é o período em que há o amadurecimento físico do corpo e a formação da personalidade. Os três ciclos posteriores, dos 21 até os 42 anos de idade, são chamados de setênios da alma. É neste período em que superamos as experiências básicas vividas. Nele nos inserimos na sociedade e fazemos escolhas como em que área vamos trabalhar, se vamos formar matrimônio, se vamos conviver mais ou menos com nossa família. Apenas após os 42 anos chegamos aos últimos setênios. Eles só acontecem quando estamos preparados para a imersão na vida com profundidade, maturidade e espiritualidade”, explica texto do blog Waldorf Online.

No mesmo texto, há detalhes sobre a fase que estou vivendo, por exemplo, dos 21 aos 28 anos. E me chamam a atenção dois trechos que fazem muito sentido. 

“Ainda assim, é uma fase em que os outros influenciam muito na tomada de nossas decisões, pois a sociedade dirá o ritmo da vida de cada pessoa.”

“Neste setênio os valores, lições de vida e aprendizados começam a ter mais sentido. Nossas energias já estão mais pacificadas e ter nosso lugar no mundo passa a ser o objetivo principal. Quando não se atinge os objetivos, muita ansiedade e frustração são geradas.”

Ansiedade e frustração. Duas características que resumem bem o que venho sentindo ultimamente. 

Venho enfrentando alguns problemas pessoais e de saúde há algum tempo, sobretudo os causados por uma relação de primeiro grau bem tóxica, que me machucou em inúmeras circunstâncias. Isso é duríssimo de administrar, porque vez ou outra, essa tristeza vem à tona e o meu barquinho vai sendo levado a um mar fundo, angustiante, de afogamento inerente. Imagine você um dia ouvir de alguém que ama que “não precisa de você” ou que “mas pelo menos é você quem vai pagar meu caixão”. Dói nas profundezas da alma.

Não bastasse, além disso, vivo as incertezas profissionais, que também pesam bastante nos meus dias…

Como alguns devem saber, me considero uma pessoa multifacetada, por gostar e me interessar por várias “frentes”: jornalismo, escrita, comunicação, esporte, viagens, cultura, psicologia, saúde, meio ambiente etc. Isso me causa uma confusão tremenda sobre “como quero ser lembrado”.

Há alguns anos, queria ser um jornalista esportivo cobrindo grandes clubes. Tempo depois, passei a amar contar as histórias na rua como repórter, sobretudo as de “pessoas invisíveis” que raramente têm essa oportunidade de ter os ouvidos e olhares de alguém à disposição. Em seguida, fui me decepcionando bastante com a desvalorização dos profissionais de jornalismo – eu incluso, obviamente. De uns meses para cá, percebi a veia de escritor renascer dentro de mim, com as palavras vindo numa potência que não via desde os tempos de menino que começava a criar gosto por preencher folhas em branco. Houve até quem me dissesse que acredita na minha capacidade de ser um best-seller, o que causa úlceras no impostor ainda habitante deste corpo.

Essa infinidade de caminhos pode parecer positiva num quadro em que alguém diga: “Olha só, você é superversátil”. Mas, ao mesmo tempo, te coloca por muitas vezes como um cão que fica rodeando o próprio rabo sem saber quais são as melhores alternativas para chegar à própria morada. 

Embora ninguém consiga saber sobre o futuro por uma questão lógica e racional, dói muito ter o horizonte coberto por uma neblina que insiste em não desobstruir a estrada. 

Não passo grandes dificuldades financeiras, felizmente, por ter feito um pé de meia em trabalhos anteriores e por um suporte de algumas pessoas que me incentivam, mas não posso negar que há um incômodo dentro de mim quando não consigo definir minimamente um pontapé inicial. É como se tudo que já passou debaixo do meu rio não valesse de nada. Como se tivesse nascido aos 28 anos e precisasse aprender a dar os primeiros passos, a falar, a comer, a executar atividades básicas.

Às vezes, só queria dar uma grande surra no controlador que insiste em aparecer. Dizer a ele que vou deixar a vida fluir, que a minha história vai se desenhar conforme os lápis decidirem se comportar diante do sulfite do meu destino. 

Enquanto escrevo esse texto, meus olhos miram meu antebraço direito, com as palavras de Guimarães Rosa eternizadas na minha pele: “Viver é um rasgar-se e remendar-se”. Bem, talvez eu esteja me rasgando demais nos últimos tempos e precise aprender a me remendar melhor. 

São as complexidades de nossas fases. E olha que nem cheguei aos 30, quando dizem que as crises existenciais se tornam mais frequentes, né? Refletir muito sobre a vida é dolorido, sinto em alguns momentos que queria ser mais “deixa a vida me levar”. O difícil é se desprender daquilo que parece entranhado em nós. 


Escrevi esse texto na última terça-feira e sei que ele carrega algumas doses de melancolia. Mas, na quarta, tive terapia e me aliviou muito. Refleti sobre muitas culpas que carrego e que não necessariamente são minhas. Tenho, portanto, de administrá-las melhor, de enxergar caminhos com mais paz. Depois de ter escrito o texto e passar pela sessão, me sinto um pouco mais leve. Há um bom tempo eu não tenho conseguido encontrar a plenitude da minha felicidade. A tristeza tem chegado sorrateira, com frequência, e me invadido. E quero mudar isso. Preciso voltar a sorrir mais, a ter brilho no olho, a escrever narrativas mais alegres. É o combustível que necessito reconquistar para viver melhor de novo. Seja qual for sua fé, crença etc, peço que, se possível, me mande boas energias. Essa maré vai abaixar, eu creio.

Obrigado pela leitura.


Esta edição não vai contar com a tradicional curadoria de conteúdo. Preciso de um respiro hoje, tá? 🙏​


Gracias por estar aqui comigo! <3

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