Vida Vivida
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#9 - Vida Vivida [somos vilões de algumas histórias]
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#9 - Vida Vivida [somos vilões de algumas histórias]

A importância do reconhecimento de erros e a necessidade de autocompaixão e autoperdão

Foto: Divulgação

Os papéis de mocinho e mocinha são agradáveis ao extremo. O sorriso que costumam carregar evidencia o retrato de uma vida plena, de muito mais facilidade. Quantos de nós queremos ser protagonistas de histórias dignas de um Oscar de melhor atuação? Seria a maior das hipocrisias dizer o contrário, clamar por uma narrativa de vilania.

Mas escrevo esse texto como uma espécie de carta de auto perdão, um pedido interno de autocompaixão com todos os erros que já cometi ao longo da própria estrada e que, mesmo os reconhecendo, não deixam de ser doloridos. Somos incrivelmente falhos, ainda que caminhemos por uma linha reta a maior parte do tempo. E continuaremos falhando outras vezes, por mais cuidado que tenhamos.

Haverá alguns diabos no meio de nossos percursos. Eles são e serão capazes de tirar do prumo. Mesmo que por instantes até que os deuses te coloquem de volta em cena. É fácil lidar com acertos, elogios e reconhecimento. Só que os responsáveis pelo set da vida real se esquecem de incluir no roteiro as trapalhadas, vacilos, decepções causadas.

Essa construção também pode ser útil a você, apesar de escrever na tentativa de reverberar em mim o sentimento de que todos nós, uma hora ou outra, vamos escorregar e mergulhar no rio das profundas lamentações. Chatearemos pessoas que amamos; seremos decepcionados por elas também. A vida, feliz ou infelizmente, não nos fornece um manual de instruções de uso quando saímos da barriga quentinha de nossas mães.

Embora caminhe pelo certo a maior parte do tempo, sei que não há qualquer possibilidade de estar próximo da perfeição utópica. Quantas pessoas passaram a não gostar de mim depois de algo que fiz e não concordaram, quantas não aturam o que penso, minhas crenças? Quantas, quantas, quantas?

Essa reflexão é importante para chegar em um ponto principal e agradeço a terapia por estar me mostrando esse aspecto com mais clareza: jamais seremos seres unânimes. Esqueça isso e aumentará a largura dos passos da jornada de equilíbrio mental.

Vai além: seremos os vilões de algumas histórias, não teremos a capacidade de alcançar os papéis de mocinhos e mocinhas protagonistas. Há mais a dizer: a vilania de alguns capítulos não nos define como um todo. Temos total direito de recalcular a rota depois dos erros que cometemos e cometeremos. Encontrar a avenida do reconhecimento das falhas e trabalhá-las profundamente para que não voltem a acontecer, para que não magoemos alguém novamente.

Por último: entender que quem sofreu por nossas cenas de vilania não tem a obrigação de nos perdoar. O fundamental é que nós consigamos ativar o espírito do autoperdão para que seja possível seguir em frente.

Não sou muito fã de super-heróis, mas talvez citar um antagonista deixe a ideia aqui ainda mais clara. Quando pensamos nos protagonistas dos filmes da Marvel, DC etc, trabalhamos com o senso da perfeição através dos figurões que salvam pessoas e o mundo.

Pausa.

Então, o que podemos extrair de aprendizado dos vilões?

Alô, Coringa, conto com suas reflexões a partir de agora:

"Loucura é a saída de emergência! Você só precisa dar um passo para trás e fechar a porta com todas aquelas coisas horríveis que aconteceram… presas lá dentro… para sempre."

Outro trecho forte:

“O sistema que sabe o que é certo e errado. Da mesma forma que vocês decidem o que tem graça e o que não tem. Todo mundo é péssimo hoje em dia, é o que basta para a gente enlouquecer. Você já viu como é lá fora, Murray? As pessoas só gritam, berram umas com as outras. Ninguém pensa como é estar no lugar de outro cara.”

Reforço que já fui vilão de algumas histórias. E já fui muito vítima de outros vilões em outros cenários. Já vi alguém que amo, inclusive, gritar na minha cara que não precisa e nunca vai precisar de mim. Já decepcionei terceiros pelo desequilíbrio mental causado por vilões que foram impiedosos comigo.

A vida é assim, sem linearidades. Um eterno processo de remediar e procurar curativos. Tenho muitas feridas abertas aqui dentro, algumas bem longe de se tornarem cicatrizes. Outras já cicatrizam e viraram parte da minha trajetória. Você também é assim, certamente.

Nos últimos tempos, enquanto me condenava por erros durante os rumos inexplicáveis da vida, fui agraciado com alguns band-aids em forma de leitura.

O livro ‘Autocompaixão - pare de se torturar e deixe a insegurança por trás’, da pesquisadora americana Kristin Neff, me libertou em muitos trechos, como os que destaco para encerrar o texto de hoje:

“Este é um momento de sofrimento. O sofrimento faz parte da vida. Posso ser gentil comigo agora. Posso me oferecer a compaixão de que preciso.”

“Nossos sucessos e fracassos vêm e vão, não nos definem nem determinam nossa dignidade. São apenas parte do processo de estar vivo.”

“Se estiver preso na gosma preta da mente. Lembre-se da nossa interconexão inerente – ao fazer isso, começamos a nos sentir cuidados, aceitos e seguros. Equilibre a energia escura de emoções negativas com a energia brilhante do amor e da conexão social; sensações de acolhimento e segurança desativam o sistema de ameaça do corpo.”

“Quando você aplica o bálsamo da autocompaixão nas suas feridas (seus fracassos e decepções), pode integrar sua tristeza numa profunda, rica e gratificante aceitação do que significa viver uma vida humana.”


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Em geral, as pessoas passam a procurar terapia quando vivem os momentos mais turbulentos possíveis. Partindo da ideia do texto principal desta edição, essa busca pode acontecer diante de uma dificuldade de desenvolver a autocompaixão, ou até mesmo pela dor no processo de tentar se perdoar por alguns capítulos da própria caminhada.

Também há muitos outros canais responsáveis por nos levar até o estereotipado divã, pintado em algumas produções cinematográficas. Enxergamos a necessidade de estar frente a frente com um profissional especializado em saúde mental quando a vida aperta, quando vêm as angústias, uma síndrome do pânico, um princípio de depressão… Mas e se também enxergássemos a terapia como algo além das turbulências?

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